15 outubro 2006

Crónica Os Hábitos dos Outros

Durante mais de 10 anos partilhei apartamentos com flatmates de vários géneros e feitios. Tenho histórias suficientes para dedicar um blog só a este tema. Porque os hábitos dos outros nos parecem sempre estranhos: o que comem, as horas que dormem, os livro que lêem, as relações com as famílias, os namorados(as), os ruídos que fazem, os hábitos de higiene (ou a falta de)…

Uma das minhas ex-flatmates deixou-me mais recordações que todos os outros.

Caracterização geral: Era muito boa aluna e tinha uma cultura geral bastante impressionante. Um bocadinho estouvada. Tinha um metro e meio e pesava 90 quilos. Morria de amores por um vizinho nosso que não a tratava muito bem.

Às quintas-feiras, dia de copos e noitadas para a comunidade estudantil, ela convidava umas amigas lá para casa, emburcava uma garrafa de vodka e ia já bem quentinha abanar as banhas para os bares e discos da cidade de Coimbra. Vestia sempre umas lycras bem apertadas, um ou dois tamanhos abaixo daquilo que a silhueta lhe permitia, com o cabelo pintado de cores estranhas e mais maquilhagem do que as tipas que estão de perna alçada na esquina da rua 41 com a avenida 24.

Por volta das 4 ou 5 da manhã, voltava para casa, batia à porta do meu quarto e sem esperar resposta, entrava. Debruçava-se sobre a minha cama e perguntava-me ao ouvido: "Estás a Dormir?" Enquanto eu recuperava os sentidos, principalmente o olfacto, porque o bafo a álcool era capaz de me pôr a dormir outra vez, ela sentava-se ao fundo da cama. Contava-me as peripécias da noite, queixava-se do vizinho que a ignorava, e pedia-me para lhe tirar dúvidas do foro sexual: “Cláudia, já alguma vez fizeste um broche com preservativo?" (Garanto que esta é a mais soft de todas as perguntas que ela me fez. As outras, nem as podia publicar em tão decente blog como o meu).

Era por volta desta altura que eu perdia a paciência e a mandava para a cama com a promessa de a acordar no dia seguinte com um cházinho para a ressaca.

Também batia à porta do meu quarto depois da visita do tal vizinho mau carácter. Estas visitas normalmente envolviam lágrimas. O gajo tocava à campainha a altas horas da madrugada, ficava uma horita, e depois ia embora. No dia seguinte não a cumprimentava na rua. O que se passava no quarto dela na hora em que ele lá estava, eu não sei. Não consigo dizer se o que ela me contava era verdade ou fruto da imaginação de alguém que procurava amor onde ele não existia. De qualquer forma, não lhe fazia bem à auto-estima.

Não sei de quem era a culpa nesta situação. Se dela que o deixava entrar lá em casa ou dele que não a tratava como uma mulher merece ser tratada. Mas esta situação deixava-me mal disposta.

As pessoas passam pela nossa vida e depois vão embora. Ouvimos e contamos segredos a pessoas que depois nunca mais vemos. A consequência de mudar de casa muitas vezes é nunca ficar a saber o fim da história.

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