É inevitável. Os nossos filhos em adultos vão sempre ter um trauma causado pelos pais. Por mais livros que se leiam, teorias que se sigam, esforços para sermos as melhores mãe do mundo e dar-lhes o melhor, nós vamos ter culpa dos traumas que têm. Vão-nos culpar por não termos tratado de uma doença da melhor forma, por não saberem tocar um instrumento musical ou porque nunca os inscrevemos nas aulas de dança, por não lhes termos posto um aparelho nos dentes ou por temos obrigado a pôr aparelho nos dentes.
É também difícil não transportamos para os nossos filhos os nossos dissabores com a vida. Tenho alergias e asma desde os 10 anos e sempre disse que o que mais me deixaria triste era ter uma filha alérgica e asmática. Pimbas! Alergias, eczema, infecções nos pulmões. E começaram bem mais cedo que as minhas. Tinha prometido a mim mesma que nunca ia entrar nas paranóias da minha mãe de estar sempre a lavar tudo e a sacudir tapetes, eliminar almofadas do quarto e da sala. Lembro-me de ser adolescente e de lhe dizer vezes sem conta para não se preocupar tanto. Não fazia assim tanta diferença ter um esterilizador de ar, spray mata ácaros e lavagens constantes da roupa. Pimbas! Dou por mim a fazer o mesmo, a trocar lençóis e edredons de 2 em 2 dias e a esconder tudo o que é peluche, a limpar constantemente a cama dela no caso de ficar com pó acumulado ou de um fungo se ter escondido em algum sitio.
27 anos de asma ensinaram-me que não adianta fazer tratamentos caríssimos, nem comprar produtos milagrosos para as alergias. Não adianta deixar de fazer desporto ou qualquer actividade considerada normal para um não asmático porque nos deixa tontos e mal dispostos. Apenas com esforço e persistência se vence a asma. E as alergias? aprendi a viver com elas. Aos 28 anos, e depois de tomar medicação diariamente durante 18 anos, deitei tudo ao lixo. Tinha acabado de vir da farmácia com um saco pequeno cheio dos inaladores do costume. Fartei-me. Deitei tudo fora. Até mesmo o inalador de emergência. True story. Peguei na gaveta da mesinha de cabeceira e esvaziei-a no caixote do lixo.
Comprei um fato de banho. Tinha uma piscina olímpica a 10 minutos de casa. Nunca tinha nadado numa piscina com mais de 25 metros. A primeira vez, fiz duas piscinas e parei, sem fôlego. Voltei a repetir até ficar tonta. Voltei outra vez na mesma semana e fiz o mesmo, cerca de meia hora de pára arranca.
Duas semanas mais tarde já conseguia nadar 15 minutos seguidos e dois meses depois nadava uma hora sem parar, naquela piscina fantástica que já tinha recebido os Commonwealth Games por volta dos anos setenta. Nadava uma hora non stop na pista de velocidade intermédia e não prolongava mais o exercício porque mais do que uma hora me aborrecia.
Uns anos mais tarde recebi a prenda que, como muitas vezes já contei, foi eleita como a melhor prenda que alguma vez me ofereceram. Umas botas de caminhada. Incentivo do marido para me levar a fazer o que ele mais gostava: caminhar nas montanhas. Recusei-me no início. Disse-lhe que fazia apenas caminhadas em terreno plano. Paciente como é, fez comigo duas ou três caminhadas à beira mar, longas, mas nada que um asmático não aguentasse. Levou-me um dia para a Serra de Valongo e quem já lá foi, conhece a subida íngreme de um dos percursos. Nessa única subida tive três ataques de asma. Deitei-me no chão por duas vezes para não ficar roxa. Devo ter mesmo mudado de cor, a ver pela cara do meu marido. Um ano mais tarde, e depois de nos termos juntado a um grupo de caminhada, fizemos o mesmo percurso. Fiz a mesma subida íngreme como se de um passeio no parque se tratasse, liderando o grupo e a achar que era um campeão!
Este ano infelizmente tive que voltar a comprar um inalador para emergências. Mas até fico contente por na farmácia já nem me lembrar do nome da bomba que mais vulgarmente usam os asmáticos.
Tenho uma filha que usa inalador de manhã e à noite e gostava de poder decidir não o usar. Não sou médica, não me vejo com capacidade para decidir o que é melhor para ela. É por isso que vou a um pediatra. Em princípio sabe melhor que eu e é importante confiar na sua opinião. Senão não ia lá.
Acredito que a mim a medicação para a asma me tenha sido essencial em alguns momentos. Mas sinto-me melhor que nunca desde que deixei de a usar.
Acredito em muitas coisas que foram determinantes para as escolhas que fiz para mim: não comer carne vermelha, não beber leite, não tomar medicação para a asma, não ir à missa, não mentir, não magoar ninguém intencionalmente...
Deixo estas decisões para a minha filha tomar quando for grande. Para já, e quando me sinto a ser como a minha mãe, a limpar o pó e a lavar roupa vezes sem conta, espero apenas não estar a tomar as decisões erradas. Mesmo que não sejam as decisões certas.
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