Através do Google Earth, vejo todas as piscinas das casas da vila onde moro. A vista de cima, ao longe, mostra apenas aquilo que normalmente queremos ver. Prosperidade e conforto, um mundo igual ao nosso . Esconde-se a realidade que preferimos não conhecer, escondida atrás de portas onde não entram satélites.
Quando espreito para dentro das casas de porta aberta, vejo interiores escuros, quase lúgrubes. Paredes por pintar, roupas a secar no quintal de terra batida, crianças despenteadas, velhinhos sentados em bancos e mulheres a quem não sei adivinhar a idade.
Hoje, enquanto tentava abrir a fechadura ferrugenta da caixa de correio, a minha vizinha da frente veio falar comigo. Perguntou “vai mudar-se para essa casa?”. Respondi que já me tinha mudado há umas semanas. “Casa grande..:” Sim, é grande para uma pessoa. “Mora sozinha?? Pensei que tivesse marido. Eu também estou sozinha. Estou divorciada. Moro com os meus dois filhos."
Os dois miúdos olhavam para mim, do lado de fora do portão.
Então não mora sozinha, tem os dois filhos. Sempre tem mais que eu.
“É verdade. Mas a minha casa dava era para sí. Um quarto, a sala e a cozinha. Pago 35 contos. A sua deve ser mais cara. Sabe, agora estou desempregada. Recebo o fundo de desemprego. Até há pouco tempo trabalhava e ainda trazia 80 contos para casa. Agora trago um bocadinho menos. Mas então mora aí sozinha...numa casa tão grande...Estamos as duas sozinhas. Eu ainda tive um namoro mas ele não me tratava muito bem. Ainda me manda mensagens de vez em quando. Mas eu...sabe como é. A senhora é que deve ganhar bem, que essa casa ainda deve ser cara para um pessoa. Onde é que trabalha? Aaah, conheço. Pois, aí devem pagar bem.
Fiquei sem saber como se chamava. Disse que se precisasse de alguma coisa podia bater-me à porta, agora que já me conhecia. Não quis saber mais do que já tinha aprendido. Também eu queria ver só as casas com piscina. E não queria que as vidas dos outros entrassem na minha.
Quando comecei a ter vontade de ir embora para outro país, há já muitos anos e porque Portugal sofre de pobreza económica e de espírito, porque as mentalidades são estreitas e porque as oportunidades são poucas, a minha mãe disse que talvez fosse minha obrigação ficar. Em vez de fugir a isto devia fazer alguma coisa para mudar. Voltei e continuo a saber que não vou mudar nada. Mas fico contente por conhecer vários sítios e agora esta aldeia. Porque ficamos a saber e vemos de mais perto, que as vidas dos outros são diferentes das nossas. Às vezes para melhor, às vezes para pior e outras simplesmente diferentes. Não tento mudar nada, mas descrevo o que vejo. E cada um que retire daqui a mensagem que quiser. Sei que não vou ensinar nada a ninguém.
6 comentários:
A sociedade aparente do google é diferente da sociedade real que fechamos os olhos.ou nos ensinam a fechar os olhos desde pequeninos. No outro dia acordei de manha com uma noticia na antena 1 sobre a passagem de prisioneiros iraquianos por portugal, ao qual o governo disse que ia pedir responsabilidades aos EUA.Eu pensei:Será que o povinho vai acreditar nesta piada? Portugal a pedir explicações aos EUA e a acreditar que nunca soubemos de nada?Vão mesmo. Desde pequeninos ensinam-nos a não pensar, não reagir! Apenas comentam e criticam o modo de vida do vizinho, dos outros, e nada contestam! A ideia dominante na sociedade portuguesa é que cada um tem muita sorte em ter o que tem, porqque há outros bem piores. Resignação!!Tipo tua vizinha. Penso muitas vezes o que fazer? como mudar?penso na Natalia Correia, no Mario Viegas, no Cesariny e tantos outros, que a seutempo, estavam fora de tempo e a lutaram contra o tempo contra, a merda da mentalidade da sociedade que temos e da politica mediocre, fascizante, atada, pequena e tudo demenos que pode haver. è mais que um comentario. São pensamentos que nos ultimos tempos não deixo de pensar. e partilho contigo!
Pois eu acho que a tua vizinha primeiro retrata a mentalidade portuguesa quanto a coscuvilhice. Ou seja saber da tua vida se és sozinha, casada, divorciada, para depois ir contar a restante vizinhança, e no caso de tu não lhe dares importancia corres o risco de ser "mal falada" na aldeia...
Depois foi o fazer-se de "vitima" (somos todos), para conseguir claramente uma ajuda tua no caso de necessidade, e quem sabe ate umas limpezas na casa grande. Assim sempre podia coscuvilhar mais um pouco o interior da tua vida.
É de facto o Portugal que temos, que não conseguimos mudar, mas devemos tentar sempre atenuar...
Sara
Eu trabalho com pessoas pobres, em alguns casos mesmo muito pobres. Na maior parte dos casos, o que me aflige ainda mais do que a pobreza material é a pobreza de espírito, a resignação e a falta de iniciativa. É assustador como se resignam à pobreza, aos maus tratos, ao abuso , a suma série de coisas. Ainda noutro dia uma miuda de etnia cigana me perguntou se eu batia na minha namorada e qd eu respondi q nunca bati em mulher nenhuma ficou quase tão surpreendida como eu fiquei chocado com a reacção dela. Isso é definitivamente um problema de mentalidade e de muito difícil resolução. Ainda por cima, o tipo de sociedade que estamos a construir tende a cavar ainda mais o fosso entre os pobres e os ricos, criando uma série de barreiras aos pobres que alimentam a sua resignação e castram a sua iniciativa. Eu acho que a tua mãe tem razão, depende de nós mudar o estado das coisas. Para já podes ser só uma mas um dia seremos muitos. Eu já ando a tentar mudar mentalidades e começo logo com eles pequeninos, devo ser o psi mais comuna da história ;-)
Nuno Rechena
Oh pa...também no outro dia me aconteceu uma coisa assim do genero a passear a Moli quando fui para os teus lados, assim numa praia... apareceu me uma mulher tambem com uma cadela e acabou por me prender meia hora, mas essa nao quis saber nada de mim. Apenas me contou como gostava de animais e falou muito dos filhos e do marido que estava emigrado na Suiça. Mas foi engraçado porque nao se falou em tristezas mas sim, em coisas da vida boas que fazem esquecer outras menos boas.
Foi dificil ir embora, tive q tive começar a ir aos poucos... ah e tal tenho que ir...
Agora se vejo que metem conversa com maldade ou simplesmente com pessimismos e essas coisas... ou até mesmo aqueles que só vem ter contigo para passar mensagem lol, pisgo me logo de fininho ou então dou um sorriso junto com uma desculpa qualquer.
E quanto a essas pessoas eu acho que nada tem a ver com pobreza, a não ser de espírito. Cuidado Cláudia, ja te tinha dito e não se trata de arrogância... é o teu bem estar.
Que vila é essa? :)
G: Lugar de Avilhoso :)
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